Para tratar do choro do bebê, é preciso, antes, entender quem é o bebê, e o que seu choro representa.
Caio_new_born-521Um bebê é uma pessoa recém chegada ao mundo. Alguém que não fala e não anda; ou seja, alguém que não tem a mínima condição de buscar algo que precise. Um bebê é alguém totalmente dependente, e assim será por bastante tempo. Durante sua vida intra-uterina, o bebê estava num meio aquático de temperatura agradável, e não sentia frio, calor, fome… Ele estava contido no útero. Seus movimentos sempre encontravam eco nas paredes uterinas. Este era seu mundo. Tudo o que o bebê conhecia. Após nascer, o bebê se depara com uma infinidade de condições totalmente diferentes das que conhecia. Seus órgãos internos passam a trabalhar, inclusive o pulmão. Ele precisa respirar por conta própria, mamar, seu estômago agora funciona, e seus movimentos não mais encontram a contenção uterina, mas sim o ar. As luzes e os sons do mundo lhe chegam de forma direta agora, e ele não tem mais o suporte e a flutuação da água para sustentar o peso de seu corpo; ele agora precisa também se familiarizar com a força da gravidade.
Muitos processos internos estão acontecendo em um bebê. O crescimento do ser humano durante o primeiro ano de vida é muito rápido e intenso. Por isso mesmo, é importantíssimo para a vida toda de cada um de nós.
Vamos voltar ao bebê. Sem entrar muito nos detalhes de todas as gigantescas mudanças que o bebê vive agora, mas com um pouco de noção da magnitude delas.
Considerando o alto nível de fragilidade e dependência de um bebê, se faz necessário que, para que este bebê sobreviva, ele receba cuidados constantes 24 horas por dia. Caso contrário, o bebê pode morrer. Mas quem conseguiria oferecer cuidados ininterruptos assim? Precisa ser alguém que esteja tão conectado ao bebê, que consiga deixar suas próprias necessidades em segundo plano, para atender as do bebê, que são mais urgentes. Um adulto com fome consegue realizar suas atividades mesmo assim (não vamos considerar aqui situações extremas, mas o cotidiano de alguém que não conseguiu almoçar, por exemplo). Por quê? Porque ele tem noção de tempo, e sabe o significado de ‘em 5 minutos’, ‘em 3 horas’. Ele sabe que, assim que terminar determinado trabalho poderá afinal, comer. Já um bebezinho não tem noção alguma de tempo, ou de espaço. Não é possível fazer um bebê entender que ele precisa esperar pela mamada, só mais 15 minutos. Os bebês, e as crianças, vivem no presente. Um bebê só tem necessidades, e não caprichos. Quando sente fome, frio, coceirinha na bochecha, solidão, ou qualquer outra coisa, tal sensação ocupa todo seu ser, e é isto que o bebê vivencia. Um bebê pode chorar desesperadamente tanto por algo vital, como matar a fome, como por algo mais leve, como uma picadinha de mosquito. É assim porque ele vive a sensação sem nenhuma noção de tempo ou espaço, ou de valores. Ele só sente.
As necessidades de um bebê são muito básicas, e simples: alimento, comunicação, colo e calor humano, higiene. Para um bebê, pouco importa a decoração do quarto ou a roupinha que veste. Ele nem repara se sua mãe está de pijama às 3 horas da tarde, ou bem vestida e maquiada.
Então, dadas necessidades tão urgentes e básicas, como alguém consegue atendê-las?
A fisiologia do processo de nascimento, orquestrada por um complexo coquetel de hormônios, faz com que, após o parto, mãe e filho se apaixonem perdidamente. A mãe segura seu bebê nos braços logo que ele nasce. Ambos estão bastante alertas e impregnados de hormônios que trazem sentimentos de amor, dependência e prazer. A força deste amor é tão grande que, mesmo nas cesarianas com hora marcada, e onde mãe e bebê são separados após o nascimento, o sentimento de amor mútuo brota. É deste vínculo forte e amoroso que nasce a pessoa que coloca sua vida em segundo plano temporariamente, para atender as necessidades de seu filho.
Tudo isso acontece num nível não racional. O intelecto não contribui nesta adaptação. A inteligência da mulher, e a inteligência da relação mãe/bebê, vêm dos hormônios, do cérebro instintivo, e dos processos psíquicos específicos pelas quais a mulher passa nesta situação.
Lá no fundo de seu ser, a mãe sabe que seu bebê pode morrer, caso ela não tenha os cuidados necessários. Por isso as mães se preocupam e fantasiam as situações mais absurdas, com pouquíssimas chances de se tornarem realidade. As mães consideram tudo. Muitas, após o nascimento de seus bebês, sentem o mundo como muito invasivo, perigoso, barulhento, tenso. Elas estão protegendo seus bebês indefesos. O sono das mães se adapta também, e fica bem mais leve, com ciclos mais curtos, como o de seu bebê. Ela acorda facilmente, por conta de algum barulhinho do bebê, ou até mesmo antes do bebê acordar, tamanha é a sintonia mãe/bebê. Este mecanismo precisa ser assim, senão o bebê simplesmente não sobrevive, ou enfraquece.
O sentimento da mãe em relação ao choro de seu bebê entra neste contexto. O choro de um bebê é a ÚNICA forma de comunicação concreta que um bebê possui. Quando o bebê chora, algo está faltando, sua sensação está ruim, e tomando conta de todo seu ser. Podemos perceber facilmente o desespero que vai tomando conta do choro do bebê, quanto mais tempo passa para que seja atendido. Este desespero aumenta muito quando o bebê chora sozinho, sem estar no colo amoroso de alguém.
Para a mãe, conectada e vinculada ao seu filho, este choro é como uma faca penetrando seu peito, e sendo retorcida aos poucos. Ela não consegue, e nem pode, ignorar este choro. Vai contra seu instinto de mãe.
“É sempre melhor responder ao choro o mais rápido possível, antes que seu bebê fique muito incomodado e estressado. Seu choro tem o objetivo de chamar a sua atenção e garantir a sua sobrevivência. Os bebês não têm a capacidade de manipulação, e você não vai ‘mimar’ seu bebê se reagir imediatamente e pegá-lo no colo. As pesquisas mostram que bebês cujos pais respondem prontamente ao seu choro tendem a chorar menos após 6 meses de vida do que bebês cujos pais ignoram o choro.
É muito difícil, senão impossível, para a maioria das mães ignorar um bebê chorando. O choro do bebê estimula um aumento da secreção de um dos hormônios da maternagem, a prolactina, e faz com que você naturalmente queira pegar seu bebê, e confortá-lo. A Natureza nos fez deste modo, para que respondamos desta maneira, por uma boa razão. Quando o bebê é deixado chorando, logo ele aprenderá que ninguém vem, e irá parar. Ele pode até dormir a noite toda. Apesar de isto ser conveniente para os pais, e de ser o principal argumento dos métodos de treino para dormir, eu acredito que deixar um bebê chorando acaba com a confiança, pode fazer com que o bebê se sinta sem esperança e sem ajuda, distancia as mães de seus bebês, e acaba minando seu relacionamento.” Janet Balaskas, Natural Baby, editora Gaia Books, páginas 75 e 76

Quando um bebê chora, sua mãe está chorando também. Por quê a sabedoria natural de uma mãe não estaria certa? Por que, de verdade, deixar uma criaturinha como um bebê, desassistido?

Quando, ao contrário, a mulher se entrega ao amor que sente pelo bebê, e se entrega para esta relação, confiando em seu próprio senso materno, mãe e bebê se aproximam e se entendem. A mãe vai continuar tendo bastante trabalho, e se sentirá cansada muitas vezes. Entretanto… Ela entra no sagrado da maternidade. Com o passar dos dias, ela vai percebendo que conhece seu bebê, e que o seu colo quentinho é o lugar preferido e especial de seu bebê. Ela perceberá que, para seu bebê, ela é tudo. Representa tudo. Os olhinhos do bebê brilham para sua mãe. Ele olha para ela, apaixonadamente… E ela consegue se entregar para esta magia, sem receio de ‘amar demais’, de ‘ser escravizada’, e outras expressões tão comuns em nossa sociedade.
Durante quase todo o primeiro ano de vida do bebê, fica muito mais evidente o trabalho de cuidar do bebê do que a parte divertida e prazerosa. Mesmo assim, é apaixonante trocar sentimentos com o bebê, sentir seu cheirinho, olhar seu rostinho, e se derreter por ele! Mas, quando o bebê está maiorzinho, quando engatinha e brinca mais com as pessoas, os resultados de tanta dedicação no início começam a aparecer como as flores desabrochando numa árvore que precisou ser regada todo dia para, enfim, resplandecer.
Bebês que ganham bastante colo, bastante contato olho-a-olho e pele-a-pele, que tem suas necessidades atendidas prontamente, vão se tornando crianças seguras, fortes, felizes, risonhas. Vejo este fenômeno todos os dias. É muito fácil reconhecer crianças criadas assim. São crianças que sabem que são amadas, e, por isso, são muito confiantes. São também muito conectadas com seus pais, porque confiam neles.
A história de vida de cada pessoa, sua infância e o modo como ela foi cuidada interferem na forma como esta pessoa será pai ou mãe. Dependendo das experiências de vida, pode ser muito difícil viver esta entrega amorosa com um filho, porque o contato é muito próximo, e um bebê, ou uma criança, são diretos, olham nos olhos, e se doam sem reservas. Se o adulto consegue identificar-se dentro de um padrão de distanciamento, é possível reverter isso, e aproveitar o amor da criança para transformar sua própria história, e se permitir ser amado por um filho.
“Os bebês são criaturas maravilhosas  e brilhantes. (…)  Cuidar do seu filho talvez seja a tarefa mais grandiosa e recompensadora da sua vida. Quando você aceita a dependência natural de seu bebê em relação a você no início, significa que você fez tudo o que podia para construir uma base sólida para o desenvolvimento do seu filho. Este é o maior investimento que você pode fazer no futuro dele. (…) Aproveite!” Janet Balaskas, no prefácio de ‘Natural Baby’

Abaixo, referências de alguns livros excelentes, que tratam com profundidade do tema

Pais/bebê – a formação do apego, de Klaus e Kennel. Editora Artes Médicas. (Marshall Klaus e John Kennell são pediatras e professores universitários de pediatria da Case Western Reserve University School of  Medicine, de Ohio)

A Criança Mágica, de Joseph Chilton Pearce. Editora Francisco Alves. (Joseph Pearce foi professor da área de Ciências Humanas, pai de 5 filhos, e autor dos livros ‘The Crack in the Cosmic Egg’, e ‘Exploring the Crack in the Cosmic Egg’.

Three in a Bed – the benefits of sleeping with your baby (tradução livre: três na cama – os benefícios de dormir com o bebê), de Deborah Jackson. Editora Bloomsbury. (Deborah Jackson é autora de 4 outros livros ligados ao tema da maternidade: ‘Letting go as children grow’, ‘Baby Wisdom: the world’s best-kept secrets for the first year of parenting’, ‘Eve’s wisdom: traditional secrets of pregnancy, birth and motherhood’, ‘Do not disturb: the benefits of relaxed parenting for you and your child. Seu livro sobre os benefícios de dormir com o bebê, resultado de extensa pesquisa, tem sido aclamado e elogiado por várias instituições, como o jornal Daily Mail, as revistas Times Magazine, Mother, Parents Magazine e Australia’s Parents.)

Tocar – O significado humano da pele, de Ashley Montagu. Editora Summus editorial. (Ashley Montagu é autor de mais de 60 livros que tratam de psicologia, fisiologia, antropologia, amor, agressão, anatomia, entre outros assuntos relacionados. Foi professor nas universidades de Harvard, de Nova York, da Califórnia, na Universidade Rutgers, e na de Princeton.)

Natural Baby, de Janet Balaskas. Editora Gaia (Janet Balaskas é autora de vários livros, entre eles ‘Parto Ativo’, ‘The Waterbirth Book’, ‘Preparing for Birth with yoga’, ‘The Encyclopaedia of Pregnancy and Birth’. Janet é reconhecida internacionalmente por ter desenvolvido o conceito de Parto Ativo; é pioneira do parto natural, precursora da prática de yoga para gestantes, e treina profissionais do mundo todo para trabalharem com parto ativo, além de já ter influenciado mudanças nas maternidades do mundo todo.)

The Continuum Concept – in search of happiness lost, de Jean Liedloff. Editora Da Capo Press. (tradução livre: O conceito contínuo – em busca da felicidade perdida. Este livro foi escrito a partir da experiência da autora nas florestas da América do Sul. Jean Liedloff passou 4 anos morando com povos indígenas, e observou suas crianças, criadas com muito colo e contato social, sem medo ou privações. Percebeu como estas crianças, e a atitude dos adultos para com elas, era muito diferente das crianças ocidentais. Ela então desenvolveu o Conceito Contínuo, que define este olhar, e busca demonstrar a importância de proteger bebês e crianças de privações emocionais.)
 
Por: Talia Gevaerd de Souza
 
Psicóloga (CRP08/15371) para gravidez, parto e pós parto
Instrutora de Yoga e Parto Ativo pré e pós natal
Doula
www.centrodepartoativo.com.br
www.partoativobrasil.com.br