Logo que assisti, prometi falar sobre o filme ORenascimento do Parto, o tempo foi passando, a vida uma loucura, e fui deixando pra depois. Confesso que o que tem me entretido muito no momento é amamentar e tentar desnoiar da questão curva do peso X amamentação. Mas nesse sábado dia 19/10 rolou a Marcha pela Humanização do Parto, e obviamente essa manifestação faz com que eu reviva e pense muito no que senti quando assisti o filme, o que senti da minha história com o nascimento dos meus filhos e o que eu sinto em relação ao mundo e as outras mães que ainda vão parir ou não, principalmente aquelas que não irão por imposição, desinformação ou má fé de alguns profissionais ( e sim, existe, para quem ainda não acredita que isso acontece).
A marcha aconteceu em várias cidades do Brasil, muitas vozes, muita gente querendo mudar, muita gente que já sofreu com as feridas de seus partos que nunca aconteceram, muita gente que pariu porque brigou para ter um tratamento respeitoso, profissionais que lutam pela humanização do parto, mães, pais, crianças, todos lá, por uma única causa, mudar algo que está errado, colocar na linha o que saiu dela de forma grotesca e manipulada. Fui marchar, protestar, participar, porque acredito sim que isso pode mudar, e vejo aos poucos as coisas mudando, vejo passos em direção a uma mudança.
Nada do que eu digo aqui diz respeito às escolhas de cada mãe, mas ao problema de todo um sistema obstétrico que nos induz ao erro, nos cala, nos desrespeita, desrespeitou o meu filho e desrespeita diariamente muitos bebês e suas famílias.
Transito por muitos círculos de mães, e a quantidade de mães enganadas, manipuladas e violentadas é avassaladora. No sistema público, onde os partos acontecessem, muitas são obrigadas a parir deitada, sem que possam comer ou se mexer, como praxe é colocada ocitocina sintética para acelerar o parto e muitas mulheres são humilhadas por gritar, não podem ter seus trabalhos de parto acompanhados por seus companheiros, não existem opções, a mulher é simplesmente um produto de um sistema industrial, já no sistema privado a coisa é ainda pior, a maioria das mulheres simplesmente não podem parir , porque erroneamente são levadas a acreditar que existem problemas, que de fato não existem ou simplesmente são incapazes, porque na realidade aquela mulher custa muito tempo para a maioria dos médicos. Não existe humanização.
Eu fotografo gestantes, participo de alguns grupos de mães, tenho muitas amigas e muitas delas terão seus partos no sistema privado. A maior parte fala que quer tentar um parto normal, eu sempre pergunto qual é o seu médico, e quando a resposta é qualquer um que não a meia dúzia de médicos que já conheço e as enfermeiras do Grupo Luar Parto Domiciliar (maravilhoso trabalho) sei que a chance desse parto acontecer é muito pequena, boa parte só vai acontecer se o neném escorregar (e olhe lá!). Infelizmente fora do circuito de médicos que habitualmente atendem o parto normal a chance dele não acontecer é gigantesca. Parece absurdo, mas é a triste realidade.
Durante a minha gestação do Theo cheguei ouvir que estava obcecada por um parto, fiquei chateada, mas realmente teve um período que falava muito sobre isso, hoje sei que aquele movimento foi extremamente importante. Se eu não tivesse procurado muita informação, conversado com as pessoas certas, não tivesse a minha doula comigo, um bom obstetra que concorde com um parto humano (desconfio que existam inúmeros que sequer sabem fazer algo além de cirurgias), não tivesse freqüentado grupos de mães, falado muito, conversado, desejado tanto, meu parto pós cesárea não teria acontecido, mesmo que fisiologicamente estivesse tudo certo o médico errado teria me convencido a desistir por falta de dilatação, contração ou qualquer outro motivo torpe. Ora foram 30 horas de trabalho de parto! E aconteceu, e foi lindo.
E se não pude ou não soube ter voz quando o Nino demorou 5 horas pra estar comigo e ser acalentado e amamentado na hora que nasceu, dessa vez foi diferente. Sem aspiração, cordão pulsando após a saída do bebê, sem o banho esfregão assim que o bebê sai da barriga, amamentando desde o primeiro minuto de vida e sem nenhuma separação durante a minha estadia na maternidade. Pra que isso acontecesse, me muni de muita informação e bons profissionais. Hoje sei, que sem isso não teria sido assim.
Hoje durante a nossa marcha, onde cantamos, falamos, distribuímos panfletos foi passando um filminho na minha cabeça, como aconteceu durante o filme. As vezes penso, como deixei que que o meu pequeno grande amor ficasse 5 horas longe de mim, o que me impedia de dizer o que eu queria? o que me impedia de me empoderar e de simplesmente ter voz? Penso o quanto errei com a chegada do meu querido que tanto transformou a minha vida, aquele corpinho frágil separado de mim logo no início, como pude errar com ele, logo com ele? quantas mães não se sentiram impotentes nos seus partos no hospital? quantas se calaram apenas por aceitar um sistema que não coloca a mãe como protagonista e sim como coadjuvante de seus próprios partos?
Adelita |
E que o mundo nos escute, e que as mulheres se empoderem , que o sistema obstétrico do nosso país passe por profundas mudanças. Que as muitas mulheres e famílias unidas clamando por mudanças sejam ouvidas e finalmente que o mundo possa mudar. E que a frase tão repetida e que tem estampado o ativismo materno seja abraçada:
"Para mudar o mundo é preciso mudar a forma de nascer" Michel Odent